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O trabalho como fator de adoecimento e também de integração

21 Setembro 2021

Com base em uma concepção do ser humano em sua totalidade, torna-se relevante compreender um pouco mais a história do trabalho em seus aspectos sociais, psicológicos, éticos e políticos, por entender que, desde os primórdios dos tempos, o trabalho está inserido na história do mundo.

O livro de Gênesis, no Primeiro Testamento da Bíblia, escrito em torno de 1400 a. C., já faz essa referência ao trabalho como um meio árduo de sobrevivência: “pelo suor do teu rosto tu comerás do pão” (Gn, 3:19). E por anos a fio foi imputado ao trabalho a sua existência apenas pela necessidade de sobrevivência. Em contrapartida, a falta dele é considerada quase sempre como um terreno propício a coisas negativas, como podemos ver no ditado popular: “mente vazia é oficina do diabo”. 

Felizmente, a vida tem seu dinamismo, e tudo se modifica. Hoje, os estudos apontam para a ideia de que o trabalho proporciona prazer e sentido à vida. Embora, na prática, pareça revelar que ainda vivemos num grande processo de transição, como se existisse certa dicotomia entre as teorias construídas e a prática em si. É certo que a globalização e as novas tecnologias favorecem rápidas mudanças à sociedade em todos os seus aspectos, exigindo de cada pessoa e das organizações a capacidade de adequar-se rapidamente às nuances políticas, sociais e econômicas vigentes. Tudo se modifica de maneira veloz, a cada dia são extintas algumas profissões e surgem outras, provenientes de novas demandas.

É nesse contexto que o trabalho é estudado e pensado sob a ótica do seu sentido e significado para o ser individual e também para o coletivo, com foco nas soluções para inúmeros problemas que perpassam os aspectos sociais, políticos, culturais, éticos e psicológicos do ser humano em relação ao trabalho. Assim, é possível afirmar não só uma constante mudança ao longo da história, sobre a representação do significado, sentido e função psicológica do trabalho para o ser moderno, como também a possibilidade de pontuar o grau de instabilidade e insegurança resultantes da velocidade com que ocorrem essas mudanças. Em consonância com Jacinto (2016:29), é possível assegurar que o novo significado do trabalho, associado às inovações tecnológicas e às novas formas de organização – como a flexibilidade nos turnos e as modificações dos espaços –, é consequência direta do dinamismo do mundo corporativo, que exige alta capacidade de adaptação do indivíduo ao meio.

Desse modo, sabe-se hoje que tais mudanças afetam diretamente o trabalhador e a trabalhadora, e definem um novo perfil de trabalho, no qual o indivíduo seja capaz de lidar com ambientes altamente instáveis, com exigência de maior produtividade, com pressões e maior competitividade, em que, tudo somado, resulta em relações tensas, conflituosas, precárias, bem como na fadiga, esgotamento físico e mental, podendo acarretar frustração e, consequentemente, problemas na saúde física e mental dessas pessoas, além de interferir nas demais esferas da vida.

Atualizando a citação do livro de Gênesis, é possível afirmar que o labor na atualidade não produz tanto “suor”, mas uma pressão constante que exige do ser humano muita flexibilidade.

Nesse contexto, o trabalho ganha novos contornos, pois, se de um lado ele é um fator facilitador de estresse, desgaste emocional e doenças direta e indiretamente relacionadas ao esforço, de outro, também é um importante fator que corrobora para a expansão da geração do bem-estar e da saúde.

Quanto aos desafios e riscos a que os trabalhadores e trabalhadoras estão sujeitos hoje, no contexto laboral, Jacinto (2016) e Bley (2014) ressaltam que, para tanto, exige-se também novas abordagens com a finalidade de garantir a segurança e a saúde de quem trabalha, o que implica em novos desafios para a Psicologia Ocupacional, Segurança e Saúde do Trabalhador e também para a Ergonomia, o que vai ao encontro do pensamento de Dejours (2017), ao pontuar a necessidade da construção integrada de conhecimento e prática na complexa relação do ser humano com o trabalho. É fato que, ao ponderar sobre a realidade, já é possível ver uma luz no fim do túnel, pois cada vez mais organizações e pessoas, preocupadas com as consequências do estresse e das pressões diárias, pensam em ações nos mais diferentes âmbitos com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. E há um grande número de indivíduos que tem como prioridade encontrar no trabalho um fator de motivação e sentido para a vida, um propósito, algo que vá muito além da sobrevivência e que traga significado à vida.

Viktor Frankl (1905/1997), médico psiquiatra, austríaco, com base em sua experiência em campos de concentração, defende a ideia de que quando se tem um sentido para a vida é possível superar qualquer coisa, trazendo a ideia de propósito para dar sentido e significado à existência. O que nos leva a supor que, certamente, o elixir para os males provenientes do labor passa pelo sentido que este tem para cada indivíduo, e, complementando o que Bendassoli (2014:04,05) nos traz, temos a ideia, que inicialmente foi encontrada na obra de Karl Marx (Marx & Engels, 1965/1932), de que é por meio do trabalho que o indivíduo se constrói como tal, e nesse mesmo processo cria o mundo social, levando-nos à conclusão de que o trabalho permite ao indivíduo se autoafirmar em relação ao meio social.

Assim “o trabalho é uma atividade intimamente ligada à consciência de si e à experiência do mundo, da realidade”. Bendassoli (2014:05). Concepção esta que Dejours também compartilha por defender a ideia de que o trabalho ocupa uma parte essencial na vida do ser humano. Tendo o labor na atualidade a função de conectar as pessoas em prol não somente da manutenção da vida, mas também do desenvolvimento sustentável de si mesmo e de toda a sociedade. É considerando essa perspectiva do papel do trabalho e do ser humano que anseia por realização em contrapartida com o elevado estresse e pressão, que esse mesmo trabalho pode se transformar em um fator de risco psicossocial quando se pensa em saúde e segurança do trabalho (SST), bem como tendo ciência da necessidade de pensar formas de prevenção de acidentes de trabalho e avaliar as condições psíquicas dos trabalhadores e trabalhadoras constantemente expostos a situações de risco – que se reafirma no pensamento acima citado por Jacinto (2016) e Bley (2014).

Portanto, é possível concluir que embora o labor possa possibilitar estresse, pressões e adoecimento, o mesmo trabalho pode ser motivo de integração e construção de identidade, de motivação e bem-estar, e tudo irá depender de como empresas e colaboradores lidam com tais aspectos. Ou seja, se houver maior preocupação com o ser e cuidados com o bem-estar e saúde mental, considerando também as condições apropriadas para o desempenho do trabalho, possivelmente o colaborador e a colaboradora possam ter no trabalho maiores condições de motivação e bem-estar.

 

Iara Maria Alves Pereira

Psicóloga Clínica e Ocupacional

CRP. 06/69640

 

Referências:

BENDASSOLLI, Pedro F. GODIM, Sonia Maria Guedes. Significados, Sentidos e Função Psicológica do Trabalho: Discutindo essa Tríade Conceitual e seus Desafios Metodológicos. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/apl/v32n1/v32n1a10.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2018.

BLEY, Juliana. Comportamento Seguro: Psicologia da Segurança no Trabalho e a Educação para a Prevenção de Doenças e Acidentes. 2.ª ed. Ampl. Belo Horizonte: Artesã,  2014.

DEJOURS, Chistophe. A Loucura do Trabalho: Estudo de psicopatologia do trabalho; Tradução de Ana Isabel Paraguay, Lúcia Leal Ferreira. 6.ª ed. São Paulo: Cortez, 2015.

JACINTO, Aline. Riscos Psicossociais no Trabalho em Altura e Transtorno Mental Comum em Portuários. Tese de Mestrado, Florianopolis, 2016.

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